História do Jogo do Bicho
Muito diferente de sua configuração atual, o Jogo do Bicho surgiu de uma maneira quase inocente há mais de um século. Em 4 de julho de 1892, o Barão João Batista Vianna Drummond, conhecido personagem carioca daquela época, idealizou o jogo como uma forma de atrair mais pessoas para o seu zoológico, que passava por dificuldades financeiras e estava prestes a ser fechado.
Para criar a dinâmica do jogo ele resolveu utilizar os 25 tipos de animais que existiam em sua propriedade na Vila Isabel e assimilou 4 números para cada animal, resultando em 100 dezenas contadas de 00 a 99. Estes números e animais são usados até hoje, mas o jogo tinha algumas diferenças.
A cada ingresso vendido para entrar no zoológico era associado um animal, dependendo dos dois últimos números do bilhete, e este ingresso dava direito à participação no sorteio, onde uma parte do valor arrecadado com as entradas era sorteado. O animal vencedor, que era escolhido previamente pelo Barão, era representado por uma figura que ficava escondida por um pano e só era revelada no final do dia, o que incentivava as pessoas a passarem o dia no Jardim Zoológico, consumindo os seus diversos serviços como cafés, hotel e restaurante.
Os primeiros anos do Jogo do Bicho
Já no seu lançamento, o Jogo do Bicho foi capaz de ter o sucesso esperado pelo Barão, e foi imensamente celebrado pela imprensa carioca, como mostra este trecho de uma reportagem publicada pelo Jornal do Brasil à epoca:
"A empresa do Jardim Zoológico realizou ontem um magnífico passeio campestre ao seu importante estabelecimento, situado no pitoresco bairro de Vila Isabel.
Em bondes especiais dirigiram-se os convidados e representantes da imprensa àquele local e depois de visitarem o hotel, que se acha nas melhores condições, os jardins, as gaiolas em que se acham os animais e aves, tomaram parte em um lauto jantar, em mesa de mais de 60 talheres, presidida pelo digno diretor daquela empresa, o sr. barão de Drummond.
O 1º brinde foi levantado pelo sr. Sérgio Ferreira ao sr. barão de Drummond, que em seguida com toda a gentileza brindou à imprensa, sendo correspondido pelo nosso representante. Trocaram-se ainda outros brindes, sendo o último ao sr. vice presidente da República.
Como meio de estabelecer a concorrência pública, tornando freqüentado e conhecido aquele estabelecimento que faz honra ao seu fundador, a empresa organizou um prêmio diário que consiste em tirar à sorte dentre 25 animais do Jardim Zoológico o nome de um, que será encerrado em uma caixa de madeira às 7 horas da manhã e aberto às 5 horas da tarde, para ser exposto ao público. Cada portador de entrada com bilhete que tiver o animal figurado tem o prêmio de 20$. Realizou-se ontem o 1º sorteio, recaindo o prêmio no Avestruz, que deu uma recheiada poule de 460$000.
A empresa tem em construção um grande salão especial para concertos, bailes públicos, e vai estabelecer no jardim jogos infantis e outros diversos para o público.
Às 9 horas voltaram os convidados, pessoas de alta distinção, penhorados todos à gentileza do sr. barão de Drummond e seus dignos auxiliares. Foi uma festa esplêndida."
Naquela época, as incertezas econômicas afetavam negativamente diversos estabelecimentos comerciais, que precisavam utilizar sorteios de brindes e outros artifícios para atrair novos clientes. Neste sentido, a iniciativa do Barão não tinha nada de especial e fora vista com naturalidade no momento de seu lançamento.
No entanto, diferente dos sorteios de outros negócios, o Jogo do Bicho do zoológico acabou tendo um sucesso tão grande que logo as pessoas iam ao zoológico apenas pelo sorteio, e chegavam a comprar vários ingressos de uma vez para terem mais chances de receber o prêmio. Esta situação alertou a polícia, que começou a considerar o Jogo do Bicho como um jogo de azar.
Problemas com a lei
Os problemas do Jogo do Bicho com a lei começaram apenas duas semanas depois de seu lançamento. Assim como hoje, os jogos de azar eram proibidos no Brasil do século XIX, e todo o tipo de sorteio deveria ser previamente aprovado pelas autoridades locais.
Apesar de ter dado o sinal verde para a operação do Jogo do Bicho, logo a polícia do Rio de Janeiro se arrependeu de sua decisão, tendo considerado que o jogo havia saído do controle, como mostra este informe público do jornal O Tempo, ainda em 1892:
"Ao Dr. 2º delegado dirigiu ontem o Dr. Chefe de Polícia o seguinte ofício:
No empenho de procurar atrair concorrência de visitantes ao Jardim Zoológico, solicitou o seu diretor para certo recreio público licença, que lhe foi concedida pela polícia, em vista da feição disfarçadamente inocente que da simples primeira descrição do divertimento parecia se deduzir. Entretanto, posta em prática essa diversão, se verifica que tem ela o alcance de verdadeiro jogo, manifestamente proibido. Os bilhetes expostos à venda contêm a esperança puramente aleatória de um prêmio em dinheiro, e o portador do bilhete somente ganha o prêmio, se tem a felicidade de acertar com o nome a espécie do animal que está erguido no alto de um mastro.
Esta diversão, prejudicial aos interesses dos encantos, que com a esperança enganadora de um incerto lucro se deixam ingenuamente seduzir, é precisamente um verdadeiro jogo de azar, porque a perda e o ganho dependem exclusivamente do acaso e da sorte.
Neste momento começou a história de problemas do Jogo do Bicho com a lei, que foi marcada por idas e vindas, até a sua proibição definitiva, em 1941, quando foi passada a lei de proibição dos jogos de azar no Brasil.
Passando das fronteiras do zoológico
Apesar do zoológico não poder mais operar o Jogo do Bicho, isso não significa de forma alguma que o jogo tenha acabado. Devido à sua imensa popularidade, o jogo não demorou muito para sair das fronteiras do estabelecimento do Barão de Drummond e fazer fama em todo o Brasil.
Hoje o jogo assumiu um formato relativamente diferente da sua versão original, e seus resultados são baseados na loteria federal. Os 121 anos de história do Jogo do Bicho comprovam que ele teve sucesso e hoje é uma das modalidades mais jogadas por todos os brasileiros que sonham com uma mudança de vida.